Priority Theme Spotlight: Frederico Batista Pereira, Natália S. Bueno, Felipe Nunes, Nara Pavão, and Folha de São Paulo
Author: Ayuko Picot
Theme: Democracy, Conflict, & Polarization
Hoje, no Priority Theme Spotlight, nós apresentamos o tabalho das integrantes do EGAP, Natália Bueno (Emory University) e Nara Pavão (Universidade Federal de Pernambuco), com seus co-autores Felipe Nunes (Universidade Federal de Minas Gerais) e Frederico Batista Pereira (University of North Carolina at Charlotte). Nós falamos do seu artigo “Inoculation Reduces Misinformation: Experimental Evidence from a Multidimensional Intervention in Brazil” e a efetividade de intervenções preventivas contra a desinformção. Também conversamos com Eduardo Scolese da Folha de São Paulo, jornal fundado em 1921, de maior circulação e presença online no Brasil.
No seu estudo, vocês focam em medidas preventivas, no lado da demanda no Mercado da desinformação. Vocês poderiam me dizer porque vocês decidiram abordar essa questão pelo lado da demanda ao invés da oferta?
Frederico Batista Pereira, Natalia Bueno, Felipe Nunes, and Nara Pavão: Existem muitos trabalhos bons sobre ferramentas como checagem de fatos para combater a desinformação. Achamos que essas ferramentas são valiosas e, em geral, eficazes. Mas estávamos interessados em olhar para um tipo diferente de intervenção. Especificamente, estávamos interessados em intervenções preventivas porque acreditamos que elas têm potencial como ferramentas que podem ser usada em maior escala e eficazes para combater a desinformação, ao reduzir a demanda por histórias falsas, especialmente quando a verificação de fatos não estiver disponível ou for viável. Além disso, estávamos interessados em como esses tipos de intervenções poderiam motivar e treinar indivíduos para se protegerem contra a desinformação, possivelmente quais com impactos maiores a médio e longo prazo em comparação com outras intervenções comuns contra a desinformação.
Eduardo, vocês poderiam descrever, de forma geral, a desinformação no contexto brasileiro e descrever medidas que o jornal tomou no passado contra a desinformação?
Eduardo Scolese: O tema da desinformação como uma política interna e prioritária do jornal é algo novo. Há cerca de 15 anos, por exemplo, começamos a focar nas declarações falsas de candidatos durante debates e propagandas eleitorais.
Na Folha, por exemplo, criamos as marcas do “promessômetro” e do “mentirômetro” para checar se tais afirmações eram corretas, exageradas ou falsas.
Já na eleição presidencial de 2014, com o papel ainda muito pequeno das redes sociais na campanha e sem o fenômeno dos aplicativos de mensagens, tivemos dificuldades para alcançar e medir o tamanho do impacto das fake news da campanha de Dilma Rousseff (PT) em relação aos seus principais opositores da época, Marina Silva (PSB) e Aécio Neves (PSDB). Naquela época, o boca a boca petista nas cidades do interior do país espalhava que seus adversários acabariam com o Bolsa Família.
Nada, porém, se compara ao fenômeno ocorrido nas eleições de 2018 e no governo do presidente Jair Bolsonaro.
Nessa campanha, investimos em reportagens e conseguimos denunciar, por exemplo, os disparos em massa de seus simpatizantes para prejudicar a campanha do então candidato petista, Fernando Haddad.
No governo veio o maior desafio, já que a mentira passou a fazer parte do dia a dia da política de comunicação do presidente com seus aliados. Mentiras e informações distorcidas passaram a ser faladas às dezenas diariamente e transmitidas em canais com milhões de seguidores.
Tivemos de nos adaptar à essa realidade e trabalhar com a checagem diária e instantâneas das declarações, buscando já desmentir determinada afirmação no próprio texto original. Passamos a adotar “Bolsonaro mente sobre isso e aquilo” em situações mais graves.
Como vocês estabeleceram a parceria com os pesquisadores para esse projeto?
ES: Sabíamos que o tema das fake news seria destaque nas eleições municipais de 2020, em especial por ter sido essa a primeira disputa, mesmo que municipal, após o fenômeno visto em torno da desinformação na disputa de 2018.
O projeto surgiu de conversas entre as duas equipes, já parceiras em outras iniciativas, e envolveu também outros departamentos do jornal, como a área de Circulação, para a entrega das assinaturas gratuitas do jornal. Foi uma aposta com investimento. O entrosamento da Folha com os pesquisadores foi de sintonia fina o tempo todo.
Esse estudo testa os efeitos do reconhecimento e do acesso ao jornalismo profissional no combate à desinformação nas eleições municipais em São Paulo, no Brasil. Quais foram os principais achados do projeto?
FBP, NB, FN, and NP: O estudo 1 é baseado uma pesquisa online de duas ondas e uma intervenção experimental realizada durante as eleições para prefeito de 2020 em São Paulo, Brasil. A intervenção foi idealizada em parceria com a Folha de São Paulo, um jornal fundado em 1921, com maior circulação e presença online no Brasil. A primeira onda da pesquisa incluiu 1.000 entrevistados e foi realizada entre 19 e 24 de novembro, poucos dias antes do segundo turno das eleições locais (29 de novembro). A segunda onda ocorreu entre 8 e 16 de dezembro.
Depois de preencher o questionário da primeira onda, os entrevistados foram aleatoriamente designados para uma de duas condições. O grupo de tratamento recebeu uma intervenção multidimensional: um voucher para uma assinatura gratuita de 6 meses da Folha de São Paulo e, uma semana após a primeira onda da pesquisa, o grupo de tratamento também recebeu um e-mail da empresa de pesquisa contendo uma mensagem sobre a disseminação do fake news durante as eleições. A mensagem incluía uma lista de oito passos para identificar notícias falsas e incluía um link para uma notícia da Folha de São Paulo que descrevia as ferramentas de verificação de fatos do jornal disponíveis para os entrevistados. O grupo controle não recebeu nenhuma intervenção.
Os resultados mostram que intervenções preventivas podem reduzir a aceitação de boatos. Encontramos uma redução de 0,12 pontos, em uma escala de 0-1. Mesmo que nem todos os designados para o tratamento tenham aberto o e-mail ou acessado o voucher de assinatura, a intervenção foi eficaz para reduzir a crença em histórias falsas: tanto as histórias falsas que os sujeitos viram na primeira onda, mas também novas histórias falsas a que foram expostos. Curiosamente, descobrimos que os indivíduos do controle que não receberam nenhuma intervenção eram mais propensos a acreditar nas histórias falsas após a segunda exposição a elas na onda 2, o que sugere que a exposição repetitiva a histórias falsas pode aumentar a aceitação.
Vocês recentemente fizeram uma replicação do seu estudo. Por que vocês fizeram essa replicação e o que vocês encontraram?
FBP, NB, FN, and NP: Realizamos uma replicação e uma extensão. Primeiro, tivemos alguns problemas de implementação no primeiro experimento de campo realizado em 2020 e queríamos uma oportunidade para descartar a possibilidade de que esses problemas pudessem afetar significativamente nossas descobertas. Em segundo lugar, tínhamos perguntas adicionais: essas intervenções de conscientização podem causar reações adversas e fazer com que os sujeitos questionem notícias que não contenham informações erradas? Qual aspecto de nossa intervenção original, o e-mail de conscientização ou o acesso ao jornalismo profissional, estava impulsionando o comportamento dos participantes? Esse tipo de intervenção poderia ser eficaz em períodos não eleitorais, quando, talvez, partes do eleitorado estão menos motivadas a separar o que é verdade e o que é falso?
Replicamos o estudo usando amostra de tamanho semelhante no início de 2022, também na cidade de São Paulo. O design era muito semelhante, com duas diferenças principais: não oferecemos acesso ao jornalismo profissional, por meio do voucher de assinatura, e incluímos medidas adicionais de crença em histórias reais.
Encontramos duas coisas principais. Primeiro, nossos principais resultados se mantiveram. Embora os resultados do nosso estudo de replicação sejam estatisticamente mais fracos, descobrimos que a intervenção de conscientização reduziu a crença em histórias falsas. Em segundo lugar, nossa intervenção não levou a um aumento do ceticismo em relação às histórias reais, de modo que encontramos um aumento na diferença na aceitação de histórias verdadeiras e falsas.
Eduardo, como a participação nesse estudo mudou a maneira como sua organização abordagem a questão da desinformação?
ES: Esse projeto foi reconhecido como o nosso carro-chefe da cobertura de desinformação nas eleições de 2020. Abriu portas para pensarmos em outras parcerias e manter o tema como prioridade aos nossos leitores.
Como uma abordagem orientada pela demanda pode ser aplicada à desinformação além dos processos políticos?
FBP, NB, FN, and NP: A princípio, esse tipo de intervenção de conscientização pode ser aplicável a qualquer tipo de desinformação, não apenas relacionada a questões políticas. Embora não tenhamos testado contra desinformação de saúde, por exemplo, o e-mail que usamos, com oito etapas para identificars notícias falsas, não tem como alvo histórias políticas
Quais são as implicações dessas descobertas sobre como lidar efetivamente com o aumento da desinformação política?
FBP, NB, FN, and NP: Acho que este artigo se encaixa muito bem com uma literatura crescente e empolgante sobre como combater a desinformação. Nossos resultados mostram que uma simples intervenção pode reduzir a crença em histórias falsas criar efeitos colaterais indesejáveis. Este tipo de intervenção também é simples e relativamente menos dispendiosa do que intervenções que requerem treinamentos mais extensos e workshops, por exemplo. Dito isto, não sabemos quão eficaz é esta intervenção a longo prazo e se é igualmente eficaz em diferentes contextos.